quinta-feira, março 28, 2024
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Especialista diz que Vila está sujeita a trombas-d’água

Investimentos em prevenção de riscos não são suficientes para evitar enchentes em Volta Redonda

Por Pollyanna Xavier

Em março, em apenas dois dias, choveu 204,2 milímetros em Volta Redonda. O índice, muito elevado, de chuvas causou estragos por vários bairros. O cenário, em alguns deles, chegou a ser de destruição: telhados arrancados, rios transbordando, calçadas destruídas, queda de barrancos e muita lama. Ondas de calor, como as que vivemos nos últimos dias, favorecem a ocorrência desses temporais, e o investimento do poder público em obras de prevenção de riscos e desastres naturais parece ser insuficiente.
E pode ser. A explicação é simples. Nem sempre as obras e investimentos da prefeitura seguem os trabalhos feitos (com base em evidências) por estudiosos da área. Quem alerta é Hugo Thaner dos Santos, doutor em Meteorologia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa. Hugo desenvolveu pesquisas e projetos climatológicos e hidrológicos para a macrorregião de Volta Redonda e chegou a resultados preocupantes. Um deles é que a cidade do aço contabiliza diversos perigos naturais, ligados a enchentes e inundações, que são ignorados quando se fala em obra de prevenção a desastres.
Segundo Hugo, os perigos naturais são comuns a locais específicos, e um deles é a Vila Santa Cecília – considerada o
epicentro da ilha de calor de Volta Redonda. O bairro apresenta características que aumentam a temperatura em relação a outros e, devido à pouca vegetação, as chuvas que atingem a Vila tendem a ser mais fortes e mais destruidoras. O que chama a atenção é que, embora a poluição da CSN seja um agravante para a área da Vila, ela não é considerada um determinante para a ilha de calor. “A poluição nunca afeta a precipitação de chuvas. Nunca”, garantiu o cientista.
O que afeta, continuou Hugo, é a pouca vegetação do bairro, a impermeabilização do solo e a alta absorção de calor do asfalto. Estes três fatores são determinantes para classificar uma área como ilha de calor. O perigo é que as chuvas que caem sobre elas são equiparadas a trombas d’água, que, quando atingem o chão, deixam rastros de destruição. “A Vila reúne todos estes fatores, e sabemos que, quando chove forte em Volta Redonda, naquela área da Vila e da 207, que formam uma mesma região climatológica, tende a ter ocorrência de transbordamento de rios e enchentes”, analisou.
Para Hugo, a prevenção de desastres provocados pelas chuvas passa por investimentos constantes por parte da prefeitura. Porém, eles deveriam ter como base os estudos já realizados na área. As pesquisas que Hugo realizou para o mestrado e doutorado, por exemplo, são pioneiras em climatologia e hidrologia na cidade do aço e foram desenvolvidas através da análise descritiva dos dados mensais de precipitação. O resultado destas pesquisas foi publicado em revistas científicas e aprovado pela Academia.
Um detalhe importante: os dados de precipitação coletados nos últimos anos por Hugo foram gerados pelos pluviômetros do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e da Agência Nacional de Águas (ANA), instalados em Volta Redonda e que estavam em plena operação. Mas, acredite, atualmente, muitos destes pluviômetros estão quebrados, o que impede a coleta de dados das chuvas recentes. “Eu acredito que os engenheiros que cuidam destas questões na prefeitura de Volta Redonda têm metodologias próprias para realizar as obras. A questão é que, entra ano sai ano, temos a ocorrência de chuvas fortes, trombas d’água, o que prova que as obras seguem dados coletados em outras bases, ou dados antigos”, alertou.

Solução e investimentos
A verdade é que teses e dissertações nesta área, produzidas com base em pesquisas e evidências e orientadas por universidades sérias, sempre ajudaram a entender o cenário climático. Por se debruçarem no tema, cientistas acabam ajudando na solução de problemas. É por isto que o estudo de Hugo, publicado na Revista Brasileira de Engenharia de Biossistemas – um periódico científico voltado a inovações teóricas e experimentais –, deveria ser apreciado pela prefeitura de Volta Redonda.
Em suas análises, o cientista relata as áreas críticas da cidade do aço, explica por que são consideradas críticas e aponta soluções para o enfrentamento das chuvas. “Volta Redonda não nega as suas águas, mas os investimentos em prevenção podem ser direcionados de forma mais assertiva. É preciso realizar uma profunda obra de drenagem na estação seca, usando os dados coletados no município e não fora dele”, avisou, acrescentando que o monitoramento, por câmeras, das pessoas que jogam lixo nos rios e a devida sanção também deveriam ser aplicados.
Hugo foi além. Explicou que o Cemaden monitora, de longe, os dados de Volta Redonda e, na maioria das vezes, estes dados guiam as obras e investimentos realizados na cidade. A mudança para um enfrentamento adequado seria coletar dados locais para direcionar corretamente os gastos públicos com prevenção de desastres pluviais. O que se vê são investimentos pesados, mas não em áreas extremamente críticas. Para se ter uma ideia, no início da semana, a prefeitura anunciou que o Furban investiu mais de R$ 2,3 milhões na prevenção às fortes chuvas e concluiu 42 obras em 22 bairros só neste ano na cidade do aço.
Tanto investimento, porém, não contemplou a ilha de calor do município. Sim, a Vila ficou de fora dos 22 bairros que receberam investimentos contra desastres. Segundo o próprio Furban, foram realizadas obras de construção de muros grampeados com bloco projetado e em solo cimento; estabilização de taludes, escadarias, desobstrução de canaletas de água pluvial, reparo de pisos, calçadas e meios-fios. Os bairros atendidos foram Açude I, Água Limpa, Belmonte, Belo Horizonte, Eldorado, Jardim Amália, Laranjal, Monte Castelo, Nova Primavera, Pinto da Serra, Ponte Alta, Retiro, Roma I, Santa Rita do Zarur, Santo Agostinho, São Geraldo, São João Batista, São Sebastião, Siderlândia, Vale Verde, Vila Americana e Vila Brasília. Menos a Vila.
Ainda de acordo com o Furban, a região da Vila Brasília, incluindo bairros próximos (Vale Verde, Belo Horizonte e Eldorado), foi uma das que mais receberam melhorias estruturais de contenção, somando cerca de R$ 780 mil em investimentos. O entorno tem como característica construção em barrancos e uma ocupação humana sem planejamento. “Estamos atendendo à população de uma maneira geral, mas é importante chegarmos às regiões mais distantes da parte central da cidade”, informou o prefeito Neto, demonstrando desconhecer o epicentro de calor da cidade. Talvez nem os técnicos do Furban saibam qual seria.
De acordo com Hugo, a informação correta pode ajudar Volta Redonda a enfrentar melhor suas águas. Em seu trabalho documental, o cientista fez um apontamento sobre a condição hidrológica do município e alertou para um evento que pode atingir a cidade nos próximos anos. “Na madrugada de 7 para 8 de abril de 2019 choveu 164,6 milímetros durante duas horas e 40 minutos. Essa tromba d’água, estatisticamente falando, tende a se repetir em 38 anos e 4 meses, mas em Volta Redonda tem acontecido anualmente. No ano passado também tivemos uma grande concentração de chuvas num curto período de tempo. A alta evaporação de água e o calor excessivo explicam o fenômeno”, contou.
Para solucionar a questão não há segredos. Ao aQui, Hugo ressaltou que, como não é possível controlar o clima, a saída está nas obras de prevenção e contenção de desastres com base nos dados coletados na bibliografia hidrológica local. A prefeitura tem feito o dever de casa, tem investido, mas pode estar errando ao ignorar a sua principal ilha de calor. Pior, as obras que estão em andamento na Rua 33 precisam ser aceleradas, porque se romper o período das chuvas com a via do jeito que está, o caos será instaurado. E aí, todo investimento feito na cidade do aço terá sido em vão. Preocupante.

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